Apesar do mercado estar superaquecido para algumas áreas específicas no país, como é o caso dos infoprodutores, essa não é a mesma realidade para as startups brasileiras. Por conta da alta dos juros global, pandemia e o cenário político polarizado e em crise, os investidores andam receosos em fazer aportes, neste momento, em empresas brasileiras, já que são investimentos de alto risco.
De 2021 para cá, alguns unicórnios brasileiros, as startups avaliadas em pelo menos US$1 bilhão, como a gigante QuintoAndar, chamaram atenção após demitir uma grande quantidade de funcionários. E segundo a Y Combinator, um dos oráculos do mercado de startups do Vale do Silício, o pior ainda está chegando!
Por que as startups brasileiras têm demitido tanto?
Durante a pandemia, as taxas de juros estavam historicamente bem baixas. Em 2021, foram US$9,6 bilhões (R$47 bilhões) em aportes em startups no Brasil, um avanço de quase 250% em relação a 2019, quando os investimentos totalizaram US$2,7 bilhões (R$13,2 bilhões), segundo dados da plataforma Distrito.
Foi neste período que algumas gigantes alcançaram o status de unicórnio, como é o caso da QuintoAndar, Loft e Facily, por exemplo.
Porém, com a atual taxa de juros e os motivos que já explicamos acima, os investidores deram uma pausa. A QuintoAndar, por exemplo, demitiu cerca de 200 pessoas neste ano, o que representa 4% do quadro de funcionários. Já a Facily, empresa de compras de supermercado, captou mais de US$500 milhões nos últimos 3 anos, mas mesmo assim teria demitido entre 300 e 400 funcionários em abril deste ano, de um quadro total de 800 a 900 funcionários. Além disso, eles teriam encerrado um contrato com uma empresa terceirizada, que tinha cerca de 900 pessoas no serviço de suporte logístico aos usuários da Facily.
Na Loft, imobiliária online, o corte atingiu 159 funcionários, focados nos setores de operação e comercial. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, as demissões aconteceram porque foram identificadas sobreposições de funções e atividades após o processo de integração da CrediHome, adquirida pela Loft em setembro de 2021.
“O valuation das startups caiu e os investidores estão mais cautelosos. Com os juros altos, o investidor pode optar por deixar o seu capital em uma renda mais estável, o que diminui os recursos disponíveis para as startups”, explicou Camila Farani, presidente da G2 Capital e investidora do Shark Tank Brasil.
Esta freada de aportes resultou em movimentos de reorganização e enxugamento de equipes. “Até algumas companhias ícones desse mercado, como Netflix e Google, estão vendo os preços das suas ações caírem. Logo, as startups também sentem esse cenário, o que tem exigido cortes de custos e, com isso, demissões”, disse Farani.
Segundo a Y Combinator, oráculo das startups no Vale do Silício e queridinha do ecossistema de inovação aqui no Brasil, “os investidores de venture capital terão mais trabalho para levantar capital e seus financiadores vão esperar mais disciplina nos investimentos. Como resultado, durante períodos de desaceleração, mesmo os fundos mais renomados com muito dinheiro reduzem a velocidade de alocação de capital (e fundos menos preparados geralmente param de investir ou morrem). Nestas situações, investidores também costumam reservar mais dinheiro para as suas empresas que estão performando melhor, o que reduz ainda mais o número de novos investimentos”.
Qual o futuro do mercado?
Ainda segundo a YC, as notícias não são boas para o futuro! Em carta enviada para os fundadores das startups do seu portfólio, eles declararam que o pior ainda está por vir. “Ninguém pode prever o quão ruim a economia pode ficar, mas as coisas não estão boas”, declarou a empresa, que nomeou a carta com o título: “Economic Downturn”, que em tradução livre significa: “economia em desaceleração”.
No texto, a Y Combinator pede aos fundadores para buscarem novas formas de chegarem ao status Default Alive, ou seja, para se manterem vivas com os recursos que já mantêm em caixa. Ou então, para aquelas que não têm essa possibilidade, a sugestão é levantar investimentos com atuais ou novos investidores o mais rápido possível, sugerindo que o tempo de distribuição de cheques está a um fim abrupto e mais rápido do que se esperava.
“Independentemente da sua capacidade de levantar capital, é sua responsabilidade garantir que sua companhia irá sobreviver se não for possível captar nos próximos 24 meses”, alerta a YC. Segundo eles, a redução de custos e o prolongamento do tempo de uso do caixa deve acontecer rápido: dentro dos próximos 30 dias.
“Entenda que o número de reuniões que os investidores fazem não diminui na mesma proporção que a redução dos investimentos. É fácil se enganar pensando que um fundo está de fato investindo quando ele não está”, alertou.
A avaliação final é que essa desaceleração terá um impacto desproporcional em startups internacionais, nas que tenham muitos ativos, baixas margens, sejam de hardtech e aquelas que tenham queima acelerada de caixa e um caminho ainda longo para a geração de receita.
Para terminar a carta, no entanto, a YC ainda encerrou com uma mensagem inspiradora: “toda crise é uma oportunidade. Lembre-se que muitos dos seus competidores não vão se planejar corretamente, vão manter a queima de caixa e só vão perceber que estão ferrados quando tentarem levantar sua próxima rodada. Você pode, geralmente, conquistar uma significativa fatia de mercado durante uma crise econômica simplesmente por permanecer vivo”.
Em artigo publicado pelo colunista Diego Barreto, VP do iFood, o que está acontecendo é uma consequência normal do mercado: “O princípio é sempre o mesmo: todo boom é insustentável. Desenhando, é uma parábola em que os tempos de paz são seguidos de cabeças cortadas. Criar e destruir, sucessivamente. Saber ver o amanhã é o que faz os vencedores”.
Ainda de acordo com ele, a mensagem final é bem parecida com a conclusão da YC: “Anti Frágeis, como muitas outras, são exemplos de sucesso que independem dos humores do mercado. Superaram os tempos difíceis e se aprimoraram, ficando mais preparadas para o inverno que se aproxima”.